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16 de Abril de 2024

Pode haver interceptação telefônica em "denúncia anônima"?

Informativo 855 do STF.

Publicado por Mackysuel Mendes
há 7 anos

Após receber diversas denúncias de fraudes em licitações realizadas no Município, o Ministério Público Estadual promoveu diligências preliminares e instaurou Procedimento Investigativo. Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, não há ilegalidade em iniciar investigações preliminares com base em "denúncia anônima" a fim de se verificar a plausibilidade das alegações contidas no documento apócrifo. Após confirmar a plausibilidade das "denúncias", o MP requereu ao juízo a decretação da interceptação telefônica dos investigados alegando que não havia outro meio senão a utilização de tal medida, como forma de investigação dos supostos crimes. O juiz acolheu o pedido. O STJ e o STF entenderam que a decisão do magistrado foi correta considerando que a decretação da interceptação telefônica não foi feita com base unicamente na "denúncia anônima" e sim após a realização de diligências investigativas por parte do Ministério Público e a constatação de que a interceptação era indispensável neste caso. STJ. 6ª Turma. RHC 38.566/ES, Rel. Min. Ericson Maranho (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em 19/11/2015. STF. 2ª Turma. HC 133148/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 21/2/2017 (Info 855).
  • O que é a chamada "denúncia anônima"?

Denúncia anônima ocorre quando alguém, sem se identificar, relata para as autoridades (ex: Delegado de Polícia, MP etc.) que determinada pessoa praticou um crime. É o caso, por exemplo, dos serviços conhecidos como "disk-denúncia" ou, então, dos aplicativos de celular por meio dos quais se "denuncia" a ocorrência de delitos.

O termo "denúncia anônima" não é tecnicamente correto porque em processo penal denúncia é o nome dado para a peça inaugural da ação penal proposta pelo Ministério Público. Assim, a doutrina prefere falar em "delação apócrifa", "notícia anônima" ou "notitia criminis inqualificada".

  • É possível decretar medida de busca e apreensão com base unicamente em “denúncia anônima”?

NÃO. A medida de busca e apreensão representa uma restrição ao direito à intimidade. Logo, para ser decretada, é necessário que haja indícios mais robustos que uma simples notícia anônima.

  • É possível decretar interceptação telefônica com base unicamente em “denúncia anônima”?

NÃO. A Lei n. 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) estabelece:

Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

Desse modo, a doutrina defende que a interceptação telefônica deverá ser considerada a ultima ratio, ou seja, trata-se de prova subsidiária.

Tendo como fundamento esse dispositivo legal, a jurisprudência pacífica do STF e do STJ entende que é ilegal que a interceptação telefônica seja determinada apenas com base em “denúncia anônima”. Veja:

(...) 4. A jurisprudência desta Corte tem prestigiado a utilização de notícia anônima como elemento desencadeador de procedimentos preliminares de averiguação, repelindo-a, contudo, como fundamento propulsor à imediata instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de interceptação telefônica.
5. Com efeito, uma forma de ponderar e tornar harmônicos valores constitucionais de tamanha envergadura, a saber, a proteção contra o anonimato e a supremacia do interesse e segurança pública, é Informativo 855-STF (20/02 a 03/03/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9 admitir a denúncia anônima em tema de persecução penal, desde que com reservas, ou seja, tomadas medidas efetivas e prévias pelos órgãos de investigação no sentido de se colherem elementos e informações que confirmem a plausibilidade das acusações.
6. Na versão dos autos, algumas pessoas - não se sabe quantas ou quais - compareceram perante investigadores de uma Delegacia de Polícia e, pedindo para que seus nomes não fossem identificados, passaram a narrar o suposto envolvimento de alguém em crime de lavagem de dinheiro. Sem indicarem, sequer, o nome do delatado, os noticiantes limitaram-se a apontar o número de um celular.
7. A partir daí, sem qualquer outra diligência, autorizou-se a interceptação da linha telefônica.
8. Desse modo, a medida restritiva do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações telefônicas encontra-se maculada de nulidade absoluta desde a sua origem, visto que partiu unicamente de notícia anônima.
9. A Lei nº 9.296/96, em consonância com a Constituição Federal, é precisa ao admitir a interceptação telefônica, por decisão judicial, nas hipóteses em que houver indícios razoáveis de autoria criminosa. Singela delação não pode gerar, só por si, a quebra do sigilo das comunicações. Adoção da medida mais gravosa sem suficiente juízo de necessidade. (...)
STJ. 6ª Turma. HC 204.778/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/10/2012.

Logo, se a autoridade policial ou o Ministério Público recebe uma “denúncia anônima” (“delação apócrifa”) contra determinada pessoa, não é possível que seja requerida, de imediato, a interceptação telefônica do suspeito. Isso seria uma grave interferência na esfera privada da pessoa, sem que houvesse justificativa idônea para isso.

  • É possível a propositura de ação penal com base unicamente em “denúncia anônima”?

NÃO. A propositura de ação penal exige indícios de autoria e prova de materialidade. Logo, não é possível oferecimento de denúncia com base apenas em "denúncia anônima".

  • É possível instaurar investigação criminal (inquérito policial, investigação pelo MP etc.) com base em “denúncia anônima”?

SIM, mas a jurisprudência afirma que, antes, a autoridade deverá realizar uma investigação prévia para confirmar se a "denúncia anônima" possui um mínimo de plausibilidade. Veja o que diz Renato Brasileiro: "Diante de uma denúncia anônima, deve a autoridade policial, antes de instaurar o inquérito policial, verificar a procedência e veracidade das informações por ela veiculadas. Recomenda-se, pois, que a autoridade policial, de proceder à instauração formal do inquérito policial, realize uma investigação preliminar a fim de constatar a plausibilidade da denúncia anônima. Afigura-se impossível a instauração de procedimento criminal baseado única e exclusivamente em denúncia anônima, haja vista a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal." (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 129).

Confira julgado recente que espelha este entendimento:

(...) As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução (penal ou disciplinar), apoiando-se, unicamente, para tal fim, em peças apócrifas ou em escritos anônimos. É por essa razão que o escrito anônimo não autoriza, desde que isoladamente considerado, a imediata instauração de “persecutio criminis”.
– Nada impede que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas.
– Diligências prévias, promovidas por agentes policiais, reveladoras da preocupação da Polícia Judiciária em observar, com cautela e discrição, notadamente em matéria de produção probatória, as diretrizes jurisprudenciais estabelecidas, em tema de delação anônima, pelo STF e pelo STJ. (...) (STF. 2ª Turma. RHC 117988, Relator p/ Acórdão Min. Celso de Mello, julgado em 16/12/2014)

Segundo o STF, não é possível desprezar a utilidade da "denúncia anônima". Isso porque em um mundo no qual o crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, é natural que a pessoa comum tenha receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de notícias crimes anônimas.

Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima”:

1) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia”;

2) Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui credibilidade (aparência mínima de procedência), instaura-se inquérito policial (IP) ou procedimento de investigação criminal conduzida pelo Ministério Público (PIC);

3) Instaurado o IP ou o PIC, a autoridade policial ou o MP deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao magistrado.

Caso concreto julgado pelo STF:

Após receber diversas denúncias de fraudes em licitações realizadas no Município, o Ministério Público Estadual promoveu diligências preliminares e instaurou Procedimento Investigativo. Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, não há ilegalidade em iniciar investigações preliminares com base em "denúncia anônima" a fim de se verificar a plausibilidade das alegações contidas no documento apócrifo. Após confirmar a plausibilidade das "denúncias", o MP requereu ao juízo a decretação da interceptação telefônica dos investigados alegando que não havia outro meio senão a utilização de tal medida, como forma de investigação dos supostos crimes. O juiz acolheu o pedido. O STJ e o STF entenderam que a decisão do magistrado foi correta considerando que a decretação da interceptação telefônica não foi feita com base unicamente na "denúncia anônima" e sim após a realização de diligências investigativas por parte do Ministério Público e a constatação de que a interceptação era indispensável neste caso. STF. 2ª Turma. HC 133148/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 21/2/2017 (Info 855).

Extraído do informativo esquematizado do Dizer o Direito (Info 855 do STF).

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6 Comentários

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Lhe parabenizo pelo trabalho, bastante esclarecedor, porém tendo em mente um fato que ocorreu recentemente, gostaria que me esclarece se possível. Segue a situação: Moro em um bairro bastante perigoso de SP, e com muitos delinquentes, porém como todos prezam por suas vidas, ninguém fica delatando muito sobre o que ocorre por medo. Acontece que uma vizinha fez uma denuncia anônima, por algo que realmente havia ocorrido, e os policiais foram até para verificar, porém não acharam nada, depois disso a mãe do "acusado", foi a delegacia da região conversar com o delegado, e este lhe mostrou o numero que havia feita a denuncia. Claro, isso segundo a mãe do "acusado".
Como leiga buscando conhecimento que sou, gostaria de saber se de fato isso é possível, se realmente se eu fizer uma denuncia anônima na qual eles não achem o crime, o anonimato da minha denuncia pode ser cancelado, se isso faz sentido?
Agradeço desde já, excelente texto. continuar lendo

Pois é Dandara, a lei no papel e na prática é totalmente diferente. Inclusive praticamente São Paulo em cada canto está perigoso, zombam da justiça os criminosos, que saem cada dia mais impune.

Cidadão está nas mãos dos bandidos, e o próprio Estado os auxilia em suas criminalidades.

Quanto a sua pergunta, não sei o que prevê a legislação, acho que fossemos usar o bom senso, em nenhum momento acho que polícia deveria divulgar dados de telefone ou do número que denuncio ao "suspeito", mas como é Brasil, na prática é o que ocorre. continuar lendo

Concordo David.
E casos como esses, e a falta de ação do Estado acaba nos deixando a cada dia mais desmotivados, tanto com a sensação de insegurança, quanto com ao medo de denunciar já que não oferecem apoio o suficiente para os corajosos que praticam tal ato. continuar lendo

Uma verdadeira aula! Excelente! continuar lendo

Denúncias de improbidade administrativa é possível fazer por denúncia anônima? Obrigada. continuar lendo

Eu gostaria de saber mais informações sobre como chegar provas nas mãos se saber quen foi que enviou continuar lendo